Etnias
Evy
A cabo-verdiana que se redescobriu negra e africana no Brasil
“Muita praia, só pessoas brancas, loiras com olhos azuis”. É assim que a estudante caboverdiana Eveline Amado, ou simplesmente “Evy” enxergava o Brasil, através das telenovelas brasileiras passadas no seu país. Como ela sempre quis estudar fora, depois do ensino médio completo, a jovem foi para a embaixada brasileira do seu país procurar uma oportunidade que a levasse a cursar a faculdade o que ela sempre quis e que, segundo ela, tinha problemas estruturais no seu país: Arquitetura.
Nessa procura por uma oportunidade de realizar seu desejo, a estudante descobriu o Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC- G) e logo se inscreveu. Depois de longo processo de seleção de “muitos meses” e de passar em um processo seletivo em Brasília, a estudante, que na época tinha 18 anos, se despediu de sua família, de seus amigos e de seu país para embarcar num voo direto para Fortaleza no 07 de março de 2013 com alguns amigos.
Mas o choque e a quebra de expectativas não acabaram nesse momento da chegada. Após se acomodar em um apartamento com os amigos com quem veio, ela passou a ir para a faculdade e a conhecer melhor a cidade. Foi na Universidade Federal do Ceará que Evy teve seu primeiro contato com os brasileiros.
Além de ser a única negra da sua sala, era também a única estrangeira. Nos momentos de escolha dos grupos dos trabalhos, Evy sempre ficava de fora. Ela afirma que a maioria dos alunos já tinha seus grupos definidos, “eu não tinha espaço nesse grupos e até hoje não tenho. Eu me sinto isolada na faculdade”
539.560 habitantes
122ª posição no ranking do IDH
Capital: Praia
Língua oficial: Português
Cabo Verde
A falta de informação dos brasileiros a respeito do continente africano foi um dos aspectos que mais chocou a estudante. A lista de perguntas constrangedoras que a cabo-verdiana conta que escutou é vasta: "Vocês dormem em árvores?", "Vocês já viram um leão?", "Vocês vivem da caça de animais selvagens?" ou "Vocês têm acesso à internet?"
Apesar de extremamente inconvenientes, foram essas indagações que levaram Evy a se aprofundar em estudos sobre a história de Cabo Verde e da África. Segundo a estudante, foi preciso conhecer sua história para saber que ela não era tudo de ruim que as pessoas atribuem às pessoas negras. “Você tem que saber que não é descendente de escravos, mas que é descendente de pessoas que tinham reinos, que eram reis e rainhas, que tinham impérios e que tudo isso foi interrompido pela escravatura, mas que tua história não começou com a escravatura” afirmou ela.
"Se você não sabe quem você é, você vai se perder facilmente aqui. E vai sofrer muito mais. Se você sabe quem você é e de onde você veio, você vai saber que é muito mais do que eles dizem de você."
E foi por meio desse estudo, que ela entendeu a importância de valorizar a sua cultura. Antes de vir para o Brasil, quando ainda morava em Cabo Verde, Evy tinha o costume de alisar os seus cabelos. Para ela, o cabelo crespo era visto como algo feio e desvalorizado. Quando ela chegou e se deparou com a quantidade de negros aqui Brasil e com toda a cultura do racismo que estava impregnada na sociedade, ela enxergou a necessidade de se auto afirmar negra, coisa que nunca passou pela sua cabeça quando estava no seu país.
Após um dia tentar alisar o cabelo e se deparar com ele todo caído no chão, completamente danificado, a jovem resolveu assumi-lo crespo e natural. “Eu deixei crescer naturalmente e percebi que o meu cabelo é bonito”, afirma ela.
Fonte: Acervo Pessoal
Durante os 5 anos em que esteve aqui, Evy teve muito contato com outros alunos do PEC-G, de outros países africanos e com eles costuma sempre celebrar as tradições de seus países. Eles fazem seus pratos típicos, e escutam músicas e dançam.
Porém, manter contato com a cultura entre eles não era o suficiente para Evy e seus amigos do PEC-G. Eles acharam necessário encontrar uma forma de mostrar outro olhar sobre África para as pessoas. E para fazer isso acontecer, começaram a comemorar todos os anos, desde 2015, o Dia internacional da África na Universidade Federal do Ceará.
Hoje, com 24 anos, a cabo-verdiana está prestes a se formar e voltar para o seu país. Num pequeno mural no seu quarto, localizado no apartamento que divide com amigos na Varjota, está escrito “Levanta e anda. Você é capaz”.